4.5.2017
HISTÓRIA DO MÊS DE MAIO
Para lá das montanhas onde o dia acaba,
por trás da noite e do escuro, num sítio escuro e muito perigoso, fica o
terrível país dos dragões.
Foi aí que nasceu o pequeno Samuel, que
logo revelou ser um dragão muito especial, embora quem o visse pela primeira
vez o achasse igualzinho a todos os outros dragões. Na aparência geral, Samuel
era um bebé lindo e sem nenhum defeito. Muito verde, tinha umas lindas escamas
a cobrirem-lhe o corpo, uns olhos enormes, vermelhos e flamejantes, e sete
cabeças enormes como é normal entre os dragões.
Quando começou a crescer é que as coisas
se tornaram muito complicadas para o nosso pobre Samuel.
Como nós sabemos, desde pequeninos que os
dragões aprendem a meter medo às pessoas e aos outros animais. E para isso não
lhes basta ser verdes e horrendos. Todos os dias têm de comer enormes
quantidades de carvão para, depois, deitarem pela boca grandes labaredas que
queimam tudo em redor e mantêm à distância os homens e todos os outros animais.
Todos os dragões eram assim. Todos menos
o Samuel. O nosso pequeno dragãozinho era igual aos outros dragões em tudo
menos numa coisa. Não era capaz de comer carvão. Nem de o cheirar. Mal lhe
chegava à boca tinha vómitos e tonturas. Samuel, o pequeno dragãozinho só
gostava de comer nuvens.
A princípio ninguém deu grande
importância ao assunto. Mas, quando chegou à idade de aprender a deitar
labaredas pela boca, foi com grande espanto que os pais e todos os outros
dragões se aperceberam de que o Samuel, em vez de fogo, deitava rios e rios de
água pela boca.
O pobre do Samuel tornou-se alvo da
risota de todos os outros dragõezinhos da sua idade. Todos se riam dele e o
empurravam e diziam que ele nunca havia de ser um dragão como deve ser.
Samuel, o pequeno dragãozinho, vivia
muito infeliz. Queria ser igual aos outros e deitar fogo e queimar tudo em
redor como faziam os seus camaradas de escola. Mas não era capaz. Só sabia
deitar água pela boca. Um fiozinho fino e delicado de água que em vez de
assustar as árvores e os arbustos só lhes dava alegria e felicidade.
Definitivamente, Samuel não era um dragão
como todos os outros. Um dia, o Conselho dos Velhos Dragões resolveu mandar
chamá-lo. Samuel apresentou-se cheio de medo perante aquele friso solene de
velhos dragões onde pontuavam os mais sábios, os mais valentes e os mais fortes
de todos os dragões.
O mais velho olhou para ele e com a sua
voz de trovão ribombante perguntou-lhe severamente: — É verdade que tu, em vez
de fogo, deitas água pela boca?
— É sim... — respondeu Samuel, que não
era capaz de mentir mas sentia as pernas a tremer e o chão a tremer e o céu
parecia mesmo que ia cair-lhe em cima da cabeça. Os velhos dragões olharam uns
para os outros, desataram a falar baixinho e depressa, e tomaram uma terrível
decisão: resolveram expulsá-lo para sempre do país dos dragões. Triste e muito
solitário, o pobre dragãozinho Samuel teve de abandonar a sua terra e foi pelo
mundo fora sem ter casa para onde voltar, nem cama onde dormir nem sopa quente
que o esperasse à noite.
Correndo mundo, passaram muitos anos.
Samuel vagueava por montes e florestas sem meter medo a ninguém, comendo uma
nuvem aqui, outra acolá, deitando água pela boca e tornando-se no amigo preferido
das gazelas, dos patos, dos peixes e de todos os animais que vivem ao pé da
água.
Entretanto, na terra de onde tinha vindo
Samuel, os dragões continuavam a comer carvão e a deitar labaredas pela boca. E
tanto carvão comeram, e tanto fogo espalharam à sua volta que, a pouco e pouco,
acabaram por queimar tudo em seu redor. As flores murcharam, árvores morreram,
os rios secaram e o país dos dragões tornou-se num deserto.
Sem flores, nem árvores, nem rios, os
dragões perceberam que iam acabar por morrer. O seu fim aproximava-se a passos
largos e o desespero era já muito grande quando um dos dragões mais velhos e
mais sábios se lembrou do Samuel, o dragão que deitava água pela boca e que por
isso mesmo tinha sido expulso para sempre daquela terra. Só ele é que podia
salvar os dragões.
Partiram vários emissários que correram
montes e montanhas, vales e florestas até que encontraram o dragão Samuel.
Não foram precisos muitos pedidos para
fazer o dragão Samuel voltar. É verdade que sentiu uma dor no peito quando
encontrou de novo aqueles que o tinham expulsado da sua terra. Mas, como não
era capaz de guardar raiva no coração, dispôs-se a ajudar os seus irmãos.
O dragão Samuel desatou a comer nuvens e
a deitar água pela boca. E, num ápice, inundou de água o país dos dragões. Os
lagos voltaram a encher-se, os rios voltaram a correr caudalosos, as árvores
voltaram a crescer grandes e frondosas, as flores voltaram a sorrir ao orvalho
da manhã.
Os dragões não tinham ficado muito
diferentes. Continuavam a deitar fogo pela boca. Se não o fizessem não eram
dragões. Mas aprenderam a não queimar mais árvores do que aquelas que eram
necessárias e, assim, não deixar a água chegar ao fim.
Encontrado o equilíbrio, os dragões
viveram de novo felizes e, no meio de um lago redondo, ergueram uma estátua de
homenagem ao dragão Samuel. Da boca da estátua sai um fio de água que está
sempre a correr, e aos domingos todos os dragões vão atirar bolinhas de pão aos
peixes vermelhos que nadam em redor muito satisfeitos.
José Fanha
A noite em que a noite não chegou
Porto, Campo das Letras, 2001
PROPOSTA:
Desenha/Recorta… uma imagem onde o elemento água
esteja presente e escreve uma legenda.
Comentários
Enviar um comentário
Dê a sua opinião.