Lembrar Agustina no data em que completaria 100 anos é também recordar a escritora estudada e recomendada, na disciplina de Português e no PNL, com destaque para o título Dentes de Rato, que nos transporta ao tempo da infância.
Deixamos um excerto de uma outra obra por referir a paisagem natural e humanizada de Sintra, concelho no qual se insere o nosso agrupamento:
«Fui há muitos anos à Quinta das Lágrimas, onde se diz que Inês foi morta.
Lembro-me que se transpunha o rio atravessando uma ponte de madeira cujas tábuas gemiam e baloiçavam. Parecia uma ponte militar, para assédio à cidade.
A Quinta das Lágrimas esteve para ser comprada pelo meu pai quando ele veio do Brasil e se deixava sugestionar pelas lendas históricas e coisas famigeradas da glória antiga. Havia uma enorme árvore de cânfora nos arredores da casa, que era como uma estufa, com muitos vidros e caixilhos descascados. Numa caleira de pedra corria a água sobre um líquen vermelho. Dizia-se que era "o sangue de Inês". Como disse, a moradia era decepcionante, um pouco ao estilo dos chalés de Sintra em que veraneavam os banqueiros do século XIX e os ricos-homens dos cafezais de S. Tomé. […]
A casa não tinha cortinas nem vestígios de ser habitada. Havia, à volta, alguns canteiros onde crescera a beldroega e umas açucenas tão altas que podiam chamar-se bordão de S. José. Na parede, uma mancha de água que se infiltrara pelo telhado parecia a sombra de uma mulher; uma mulher alta e corpulenta, que risse, os ombros deitados para trás. Ouvi, ou pareceu-me, um arrastar de passos, mas durou pouco; tudo ficou silencioso outra vez.
Agustina Bessa-Luís, ‘Adivinhas de Pedro e Inês’ (transcrito com supressões)
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