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'As Pequenas Memórias' de José Saramago, recensão de Almerinda Bento


As Pequenas Memórias, José Saramago, 2006 

     Há alguns anos que não leio nada de José Saramago, o que significa que quebrei o meu compromisso de ler um livro deste autor todos os anos [...]. Assim, peguei n’ As Pequenas Memórias, numa edição da Caminho de 2006, para me redimir do atraso.

     Começa com a sua Azinhaga, quando menino. Mas rapidamente as memórias de infância levam-nos a Lisboa, para onde a família foi viver na primavera de 1924. Em Lisboa e ao longo de 10 anos, ele, os pais e o irmão Francisco que viria a morrer na véspera de Natal de 1924, iriam viver em dez casas diferentes, partilhando casas com outros casais [...].

     É um pequeno livro, que se lê rapidamente e com prazer, porque é divertido e cheio de graça. Saramago fala dos pais, dos avós paternos e maternos, dos primos, dos vizinhos, dos colegas de escola, das descobertas, dos sonhos, dos medos, das lembranças mais remotas até aproximadamente à idade dos vinte anos.

     São recordações de infância, momentos como o assombro da visão da luz da Lua numa madrugada que vai persistir na memória como uma paisagem única e inesquecível, o rio Almonda da sua aldeia, as pessoas marcantes no seu percurso. [...]

     Explica-nos por que se chama Saramago e não apenas José de Sousa (p. 48) e, embora erradamente, por vezes, se diga que o seu nascimento foi a 18, de facto, ele nasceu a 16 de novembro de 1922 (p.51). Apesar dos seus problemas de dislexia “calsse; sacanavense”…,  a verdade é que a sua aprendizagem autónoma da leitura através do “Diário de Notícias” que o pai trazia (p. 98) deixou todos estupefactos. Recorda a escolinha, na Morais Soares, onde aprendeu a desenhar as primeiras letras numa pedra. A Toutinegra do Moinho, o único livro que havia lá em casa (p.99), foi a sua primeira experiência de leitor, embora reconheça não se lembrar de nada do que lá estava, ao contrário de Maria, a Fada dos Bosques, um daqueles romances em fascículos então na moda, que eram lidos por uma vizinha à mãe analfabeta e a ele ainda criança. Na escola destacou-se na leitura e na escrita e também fez um brilharete com o Francês. Fez dois anos no Liceu Gil Vicente e depois seguiu para a Escola Industrial de Afonso Domingues, em Xabregas, porque os recursos dos pais não permitiam um percurso liceal como estava destinado aos meninos com outras posses. [...]

     Este livro é de facto diferente de todos os que li até agora de José Saramago e não quero terminar este meu texto sem transcrever aqui o primeiro poema que ele escreveu, destinado a Ilda Reis com quem casou aos 22 anos. Saramago, que gostava de ir a casa do vizinho Chaves, pintor na Viúva Lamego, pediu-lhe que pintasse este poema num prato de cerâmica em forma de coração para oferecer à sua apaixonada:


Cautela que ninguém ouça

O segredo que te digo:

Dou-te um coração de louça

Porque o meu anda contigo.” (p. 54)

 

Créditos do texto: blogue Lendo e Escrevendo, publicação de 9/10/22, versão adaptada e transcrita com supressões.

Imagem: Fundação José Saramago, fotografia de juventude.

 

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